Por falar em juízes, o segundo artigo trata dos problemas enfrentados na Espanha pelo juiz que conseguiu prender Pinochet em Londres.
Voltando ao Brasil, Alberto Dines faz uma ácida crítica ao governador Alckmin no que se refere à remoção dos 6.000 moradores de Pinheirinhos; Rudá Ricci analisa o Brado Retumbante da Globo.
E de volta ao exterior, Umberto Eco analisa a falibilidade da ciência.
Isso tudo e mais os artigos que estão nos links da segunda parte.
Boa leitura!
1. TEXTOS COMPLETOS
Colaboração de Maria Nice Fonseca:
REVISTA INTERESSE NACIONAL ARTIGOS
CNJ CEZAR PELUSO
O Diálogo entre o CNJ e o Supremo
Por: JOAQUIM FALCÃO, DIEGO WERNECK ARGUELHES E PABLO DE CAMARGO CERDEIRA
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) resulta de experimento institucional transformador. Nasce como aperfeiçoamento da democracia – regime no qual nenhum poder consegue ser independente de todos, o tempo todo, e em todas as matérias, parafraseando Lincoln. Começou a ser imaginado na transição, antes da Constituinte, ainda sob a forma de um controle externo do Poder Judiciário. O debate continuou aceso na comunidade jurídica e no Congresso ao longo da década de 1990. Mas foi só em 2003, com a criação e atuação da Secretaria Nacional de Reforma do Judiciário, que ganhou definitivamente a pauta pública nacional . Virou prioridade. Política de Estado, não de um ou outro governo específico.
Dizemos política de Estado, e não política pública ou de governo não somente porque a organização do poder estatal é matéria constitucional por excelência, como lembra Luís Roberto Barroso. Mas por ter sido resultado de ativa, ampla e convergente negociação entre os três Poderes, envolvendo todos os partidos políticos, com a participação também ativa de diversos setores da sociedade, da universidade, da opinião pública e inclusive da mídia .
O destino institucional do CNJ, porém, estava somente parcialmente traçado por ocasião de sua criação legal. O texto inserido na Constituição pela Emenda da Reforma do Judiciário (EC nº 45/2004) desenhou a instituição em variados aspectos. Definiu competências e, ao fazê-lo, não impediu, nem poderia ter impedido, que outras vozes levassem adiante a tarefa de interpretar essas competências e esses limites. É inevitável. Textos legais precisam ser interpretados.
Isso é particularmente verdadeiro no caso de textos constitucionais, com suas cláusulas tipicamente mais abertas. O que é “devido processo legal”? “Poderes harmônicos e independentes entre si”? “Dignidade da pessoa humana”? “Duração razoável do processo”? Definir estes conceitos do texto constitucional é necessariamente convidar a atuação de intérpretes futuros. E, em caso de conflito na interpretação, fixar estes conceitos é tarefa típica do Supremo Tribunal Federal. Natural, portanto, que o STF esteja no centro dos debates travados de 2005 para cá. É chamado a revelar a extensão dos poderes constitucionalmente atribuídos pelo Congresso ao CNJ.
Neste sentido, a formatação final do CNJ depende em muito do intérprete, sobretudo do Supremo. É, portanto, experimento em construção. Sendo que a inevitável porta aberta da interpretação pode envolver riscos institucionais. Pode levar a retrocessos. É o que pode ocorrer agora. A criação do CNJ foi fruto de um consenso majoritário inequívoco na sociedade: a insuficiência dos mecanismos anteriores à Reforma do Judiciário para garantir a eficiência e moralidade administrativas e a integridade funcional no âmbito do Judiciário. Mas este consenso majoritário não significou unanimidade. Houve perdedores. No julgamento da Adin 4638, o risco é o de que se faça prevalecer, por meio de decisões do STF, concepções do papel e do escopo da atuação do CNJ que foram debatidas e derrotadas em 2004.
No caso da polêmica atual sobre o CNJ, está em jogo a interpretação dos seguintes termos da Constituição, inseridos pela EC nº 45/2004:
“Art. 103-B.
§ 4º Compete ao Conselho […]
III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, […], sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; […]. [grifos adicionados]
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 4 638, que pode ser decidida pelo STF a qualquer momento, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) afirma que a expressão “sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais” deve ser entendida como limitando a competência do CNJ a apenas “rever” a ação das corregedorias locais. A competência da corregedoria do CNJ seria apenas “revisional” ou “subsidiária” em relação à ação das corregedorias dos tribunais inferiores. É construção livre a partir do texto.
Mas, como já afirmado pelo próprio STF no julgamento da Adin nº 3 367 (2005), o que o texto indica é uma relação de concorrência (tanto o CNJ quanto as corregedorias locais podem iniciar processos disciplinares contra magistrados), e não de subsidiariedade (o CNJ só entra em cena quando as corregedorias não atuaram) . Em última instância, o que se espera com essa Adin é que o Supremo redefina a identidade constitucional do CNJ. Controlar a “atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário” e “[controlar] cumprimento dos deveres funcionais dos juízes” foram tarefas atribuídas ao Conselho pelo Congresso Nacional na Reforma do Judiciário.
Desde sua criação, setores insatisfeitos da magistratura brasileira – sobretudo desembargadores estaduais, que viram seus poderes diminuídos com a atuação do CNJ – têm sistematicamente tentado obter no Supremo a vitória que não obtiveram no Congresso. Nem antes, nem hoje. Conseguirão amanhã?
A Estratégia Processual
O questionamento da constitucionalidade da atuação do CNJ é feito sempre a partir de duas estratégias principais.
Primeiro, o foco na questão federativa. Não se pode mais arguir que a mera existência do CNJ contraria a independência do Poder Judiciário – o STF já decidiu essa questão em 2005, ao julgar a Adin nº 3 367. O CNJ não fere a independência do Judiciário. A tese contrária, aliás, já havia sido derrotada politicamente no Congresso Nacional durante as discussões da EC nº 45/2004. Buscam agora outros argumentos. Questionam a relação do CNJ na federação . Feriria a autonomia dos tribunais estaduais. Argumento em verdade também já derrotado. Esta questão foi exaustivamente esclarecida na mesma Adin nº 3 367, no voto do ministro Peluso, que afirmou e viabilizou o status do Conselho como órgão nacional, e não federal. Ou seja, está acima da lógica dos conflitos entre União e estados – qualquer que seja o nome com que se revista este conflito.
A segunda estratégia processual que tenta reverter a constitucionalização do CNJ aposta nas mudanças da composição do Supremo. Testa-se permanentemente a possibilidade de cada nova composição do Tribunal aceitar uma reinterpretação dos dispositivos constitucionais. Desde a votação da primeira Adin contestadora, em 2005, até os dias de hoje, seis novos ministros passaram pelo STF – isto é, mais da metade da composição do tribunal foi renovada. Não se contesta mais de forma direta a natureza constitucional do CNJ. Em vez disso, pretende-se obter posicionamentos favoráveis de um ou outro novo ministro – ou mesmo reposicionamentos de membros antigos da corte, como o ministro Celso Mello – por reinterpretações limitadoras de competências específicas do CNJ, geralmente afirmadas em casos concretos. É estratégia transformadora insincera: ambiciona mudanças profundas, mas sem anunciar-se como tal. É a estratégia de mudar de instituição, mudando-se aos poucos – mas em aspectos essenciais – a instituição.
As duas estratégias não são excludentes. A segunda delas, porém, consiste em uma verdadeira tática de permanente guerrilha processual. Sendo o Supremo obrigado a decidir todas as questões que lhe são trazidas – não pode simplesmente descartar assuntos repetitivos ou irrelevantes, como ocorre nos EUA –, cada nova iniciativa dos descontentes com a decisão congressual da Reforma do Judiciário e reafirmada pelo próprio Supremo na Adin nº 3 367 vai necessariamente encontrar seu caminho até os ministros. A consequência é sempre um momento de instabilidade institucional para o CNJ. Como indicam os dados discutidos a seguir, interesses de magistrados – já derrotados, em sua maioria, na arena democrática – pretendem ter sobrevida na esfera do controle de constitucionalidade. Reabrem-se feridas. Causa-se dano político.
Neste sentido, observar como o STF tem reagido a essas estratégias é fundamental para entender o processo de construção da identidade e das competências do CNJ. Afinal, ao rever uma medida tomada pelo CNJ, usando da competência prevista no artigo 102, I, r da Constituição, o STF demarca fronteiras. Fecha alguns caminhos, abre outros. Seja por meio de pontuais, mas impactantes leading cases, seja por intermédio de uma grande gama de decisões repetidas, a atividade decisória do STF (re)constrói o CNJ. Até que essa identidade se estabilize, a judicialização permanente de demandas relativas à atuação do CNJ é nada menos que um novo round de desenho institucional.
A judicialização permanente: as Adins
Para conhecer a face judicializada do CNJ no STF, utilizaremos basicamente o banco de dados do projeto “Supremo em Números”, complementado por algumas pesquisas pon¬tuais mais recentes . O conjunto destas pesquisas contribui para estabelecer uma base empírica sólida a partir da qual se possam travar discussões construtivas . Os dados indicam que, atualmente, no diálogo entre o STF e o CNJ, podem ser identificados os seguintes traços:
a) ao contrário do que se previa, as ações envolvendo o CNJ são quantitativamente irrelevantes no universo da carga de trabalho do Supremo;
b) os instrumentos processuais mais decisivos da estratégia de guerrilha têm sido as Adins, que tentam obter interpretações limitadoras da competência constitucional do CNJ, e os mandados de segurança, nos quais juízes e servidores insatisfeitos pleiteiam anulação de decisões do Conselho;
c) no caso das Adins, o Supremo tem sido muito cauteloso. Não tem emitido juízos definitivos sobre estas questões. Ao contrário, tem recorrido basicamente a liminares, tipicamente decididas de forma monocrática, e adiado assim o momento da decisão final;
d) parte significativa da litigiosidade em torno do CNJ no Supremo diz respeito a disputas envolvendo atores judiciais e cartórios. Não prevalece uma agenda social, dos usuários da justiça, mas sim uma agenda intrajudicial.
Vejamos. Primeiro: de 2005 a 2009, o STF recebeu um número relativamente pequeno de casos envolvendo o CNJ: 485, ou seja, apenas 0,1% das 420 975 ações que chegaram ao Supremo neste período. Essa constatação é importante – e tranquilizadora. Havia no ar um temor de que a instituição gerasse resultados perversos e contrários aos seus próprios fins. Criado, entre outros objetivos, para combater a morosidade – alertavam alguns críticos –, o CNJ levaria a uma nova explosão de litigiosidade dada a imensidão de casos de lentidão processual por responsabilidade dos juízes. Segundo essa visão, decisões do CNJ seriam objeto de recurso quase que automático ao STF, contribuindo assim para a já insuportável carga de trabalho do órgão de cúpula do Judiciário brasileiro. Esse cenário pessimista não se concretizou.
Segundo: Entre 2005 e 2011, foram ajuizadas 32 Ações Diretas de Inconstitucionalidade nas quais o CNJ era o requerido . Como observado acima, são ações cujas eventuais decisões terão significativo e imediato impacto sobre o desenho institucional do CNJ. Tratam, sem exceção, de questionamentos quanto à constitucionalidade de normas editadas pelo CNJ para cumprir seus deveres institucionais. Questionam, por exemplo, a Resolução nº 7/2005, que proibiu o nepotismo no Poder Judiciário, ou as Resoluções nº 13 e nº 14 de 2006, que trataram do teto remuneratório da magistratura.
Vinte das 32 Adins foram propostas por entidades de classe da magistratura (Anamatra, Ajufe, Anamages, AMB, Andes). Uma Adin é da Anoreg/BR, entidade representativa de interesses de cartórios. Três Adins são da Procuradoria-Geral da República, uma é do Conselho Federal da OAB e as sete restantes vieram de Assembleias Legislativas ou governos estaduais. Juntas, associações de magistrados e a representante dos cartórios representam, portanto, 2/3 de todas essas Adins. Ou seja, ano após ano, de 2005 para cá, juízes perdedores no Congresso e insatisfeitos com a existência do CNJ regularmente contestam suas ações com vistas a restringi-las. Daí falarmos em judicialização permanente: na média, essas associações propuseram de 2005 a 2011 quase três Adins por ano, sempre buscando interpretações limitadoras.
Essas informações estão sistematizadas no quadro 1 e ilustradas no gráfico 1 abaixo:
É importante constatar que, no que se refere às Adins, a sociedade civil – os usuários da justiça, aqueles para os quais o CNJ foi criado com a missão de combater a lentidão, os desvios funcionais e a corrupção no Judiciário – não questiona o CNJ. Com exceção da pequena participação da OAB, nenhuma organização ligada a interesses dos usuários da justiça tem pretendido limitar o Conselho por meio de Adins. Não há sequer Adins de partidos políticos. A contrario sensu, somente aqueles que tiveram seus interesses limitados questionam o CNJ. Mais especificamente, observa-se uma grande atividade de instituições de classe dos magistrados da esfera estadual, visível na hiperrepresentação da Associação Nacional de Magistrados Estaduais (Anamages) neste conjunto de Adins. A Anamages, embora já venha sendo reiteradamente considerada pelo STF como parte ilegítima para propor Adins, foi responsável por nada menos que nove das 32 ações acima identificadas. Quase 30% do total, como vemos no gráfico 2 a seguir:
Trinta e uma delas contêm algum tipo de pedido liminar, mas em apenas cinco a liminar foi concedida. Em nove das Adins com pedido de liminar, o processo foi extinto sem julgamento do mérito . Nas 17 restantes, o Supremo ainda não se manifestou sobre o pedido de liminar. Embora essa amostra seja evidentemente limitada, é possível observar que o Supremo não tem se sentido pronto para usar as Adins como instrumento de cerceamento do CNJ.
Quanto ao julgamento definitivo da questão, o Supremo não decidiu nenhum dos casos mais importantes – por exemplo, a questão do teto remuneratório. Quando olhamos para a face judicializada do CNJ no âmbito das Adins, vemos um Supremo hesitante em decidir. Mesmo quando decide, o faz por meio de liminares.
Por fim, a tabela acima é interessante pelo que ela não contém: em nenhuma das 32 Adins identificadas o STF proferiu decisão definitiva.
Por que esta cautela?
O Supremo na verdade está entre a cruz e a espada. De um lado, a permanente pressão dos desembargadores e ministros insatisfeitos e que têm acesso institucional privilegiado, quase diário, aos ministros do Supremo, e que defendem Adins e mandados de segurança largamente ligados a interesses corporativos. De outro, a difícil decisão de restringir o formato institucional que o Congresso Nacional deu ao CNJ. Há que bem avaliar a possibilidade de uma reação do Congresso, da opinião pública e da mídia . O Congresso pode responder a interpretações limitadoras do poder do CNJ com novas emendas ao texto constitucional, por exemplo . Seria um processo, se não de retaliação entre os poderes, pelo menos de renovação de uma tensão que vinha sendo democraticamente administrada. Afinal, eventual decisão unilateral do Supremo de retirar competências do CNJ implicaria o rompimento do pacto político-institucional que permitiu a aprovação da Emenda 45 .
Na verdade, três fatores – a estratégia processual de guerrilha permanente de setores da magistratura, a impossibilidade de o Supremo recusar essa estratégia escolhendo livremente quais casos decidir, e a utilização das liminares para não decidir – gera permanente e renovada insegurança jurídica. A insegurança jurídica é um conceito guarda-chuva. Pode vir em várias formas e se expressar em vários níveis distintos – nem todos patológicos ou necessariamente negativos . Neste caso, porém, a insegurança jurídica gerada não diz respeito à necessidade de interpretação – e, portanto, à inevitável indeterminação – de um projeto, um programa de governo ou uma política pública transformada em texto legal. Neste caso, a insegurança jurídica diz respeito a uma política de Estado. À existência e eficiência de um determinado formato de Estado brasileiro. Não ocorre nas margens do funcionamento de instituições já consolidadas, mas atinge o núcleo duro das instituições brasileiras. Pode provocar danos mais sérios ao estado democrático de direito.
Outra hipótese para tentar explicar esta cautela do Supremo é a inexistência de um consenso interno suficientemente consolidado para fazer avançar limitações ao formato institucional do CNJ. Sem este consenso, a legitimidade da decisão do próprio Supremo seria contestada. A decisão teria validade legal, sem dúvida. Mas pouca legitimidade política. Não se faz um política de Estado com um Supremo fragmentado.
Vários motivos, portanto, para ser cauteloso. Difícil saber qual é de fato a posição do tribunal. Mas há pistas do que o Supremo quer e pode fazer, dadas as condições certas. Em 2008, o tribunal rejeitou de forma inequívoca a pretensão restritiva dos poderes do CNJ no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 12, proposta pela própria AMB. Os ministros foram unânimes em considerar constitucional a Resolução nº 7/2005 do CNJ (vedação de nepotismo). Foi a única grande decisão definitiva do tribunal envolvendo a competência do CNJ.
A Judicialização permanente: os Mandados de Segurança
Vale notar que, fora do âmbito das Adins, é possível que o STF tenha se sentido mais à vontade para afirmar sua própria interpretação das competências constitucionalmente atribuídas ao Conselho. Adins não são o único recurso disponível para este tipo de decisão do Supremo. No banco de dados do “Supremo em Números” foi possível identificar um grande número de mandados de segurança envolvendo decisões do CNJ. É plausível supor que, em muitos desses mandados, alegue-se que um ato normativo do CNJ viola a Constituição. Em recente reportagem da Folha de S. Paulo, por exemplo, observou-se que, das 33 punições aplicadas até hoje pelo CNJ a juízes, 15 foram suspensas pelo STF, por meio de liminares em ações individuais como o mandado de segurança .
Conhecer o perfil desses mandados de segurança é fundamental. É a classe processual largamente dominante, correspondendo a 413 dentre as 458 ações que, de 2005 até final de 2009, tramitam no STF envolvendo o Conselho. Por si só, isso nos dá traços importantes da face judicializada do CNJ nos primeiros cinco anos após sua criação. Ela é majoritariamente composta por processos em que se procura discutir os usos e limites do poder da instituição a partir de casos concretos, envolvendo litígios em que uma parte sente que seus interesses foram inconstitucionalmente lesados por uma decisão do CNJ.
O que está em jogo nesses casos? Qual agenda que se extrai da face judicializada do CNJ? Quais os interesses lesados que o Supremo tem sido provocado a proteger diante da atuação do Conselho? No banco de dados do “Supremo em Números”, usando dados de 2005 a 2009, encontramos 534 assuntos diferentes em mandados de segurança – um número maior do que os 413 processos, pois é comum que alguns casos tenham mais de um único assunto. No quadro abaixo, identificamos os assuntos/temas mais frequentemente encontrados no conjunto dos mandados de segurança no STF contra atos do CNJ:
Há 171 processos classificados como envolvendo o tema “Servidores Públicos”, que engloba questões como benefícios e regras de aposentadoria e remuneração previstas no regime jurídico dos servidores do Poder Judiciário. Corresponde a 32% do total.
O tema “Agentes Políticos”, que se refere basicamente a magistrados – um único caso remete ao Ministério Público – aparece 113 vezes, ou seja, 21% do total. Dentro da categoria “Agentes Políticos”, 40 casos, ou 35% dos casos dessa categoria, envolvem assuntos especificamente ligados a processos disciplinares de magistrados.
Encontramos ainda os temas relacionados a “Concurso Público”, que abrangem quaisquer concursos públicos para o Poder Judiciário – magistratura, servidores e serviços extrajudiciais, ou cartórios. Conta 86 casos, ou 16% do total de mandados de segurança.
Por fim, a última categoria que merece destaque isoladamente é a de Cartórios. Com um total de 68 ocorrências em mandados de segurança, os casos envolvendo tais assuntos respondem por 18%. Importante notar que aqui estão apenas os casos envolvendo concessão, autorização e permissão para o exercício da atividade notarial e registral. Questões de concursos públicos para cartórios estão classificadas na categoria acima, Concursos Públicos.
Ou seja: mais de 82% dos mandados de segurança envolvendo o CNJ no STF dizem respeito a servidores públicos, processos disciplinares e outras disputas envolvendo juízes, concursos públicos e cartórios. Na verdade, não é novidade em relação ao que observamos no caso do controle abstrato via Adin: mais uma vez, trata-se de uma agenda basicamente interna ao Poder Judiciário: quem questiona o CNJ perante o STF usando mandados de segurança não são usuários da justiça, mas sim indivíduos ligados a estruturas judiciais ou cartorárias.
Conclusão
A análise dos dados evidencia dois pontos fundamentais. Primeiro, uma reiterada atuação das associações de magistrados, por meio de Adins, para obter do Supremo uma interpretação limitadora dos poderes do CNJ. Quase três ao ano. Segundo, mostra também que o Supremo utiliza de extrema cautela ao apreciar estas ações. Até hoje, cinco anos após o início dessas estratégias processuais, o tribunal não decidiu em definitivo em favor das interpretações constitucionais limitadoras da competência do CNJ, apesar de terem sido reiteradamente pleiteadas por uma pluralidade de associações de magistrados. Ao contrário, na única vez em que se manifestou de forma conclusiva sobre a constitucionalidade de alguma resolução do CNJ – na ADC nº 12 – o Supremo rejeitou de forma inequívoca as pretensões limitadoras que haviam sido levantadas.
Não se trata aqui, evidentemente, de negar a legalidade do uso destas vias processuais de acesso ao Supremo. A própria Reforma do Judiciário estabeleceu, como já discutido aqui, a possibilidade de se recorrer das decisões do CNJ junto ao STF. Trata-se, porém, de indagar o que poderia justificar esta estratégia de judicialização permanente por parte das associações de magistrados.
Nesse sentido, é importante considerar que, até 2009, somente 7% dos mandados de segurança contra o CNJ se originam da insatisfação de juízes punidos ou em via de serem punidos por processos disciplinares perante o Conselho. Apenas 40 processos. Metade do número de mandados de segurança gerados por conflitos relativos a concursos públicos no Judiciário. Muito menos do que o número de mandados de segurança envolvendo cartórios extrajudiciais. Muito menos, enfim, do que se poderia esperar, levando-se em conta que, por força do texto constitucional, o Supremo é a instância judicial revisora quase automática das decisões disciplinares do CNJ.
O acesso ao Supremo pelos juízes insatisfeitos com eventuais excessos do Conselho no emprego de seu poder punitivo é, portanto, amplo. Donde se pode inferir que, em termos estatísticos, a justificativa para a ação das associações não pode ser a proteção contra eventuais abusos do CNJ no cumprimento de sua função disciplinar. Não se trata, portanto, de proteger os direitos e garantias fundamentais dos juízes como cidadãos ou como agentes políticos ou servidores públicos. Quantitativamente, portanto, não parece existir abuso significativo por parte do CNJ aqui.
Se admitirmos que a nossa constituição regula direitos e garantias individuais, define programas para a ação do poder público e estabelece a organização do Estado, fica evidente que a atual discussão sobre a competência subsidiária ou concorrente do CNJ diante das corregedorias locais não é um debate sobre direitos e garantias da magistratura, nem discordância sobre políticas públicas. É questionamento sobre a própria organização do Estado brasileiro. No caso, sobre a institucionalização do CNJ, como decidida pelo Congresso Nacional e confirmada pelo Supremo Tribunal Federal. O motor da estratégia processual limitadora parece ser, portanto, a insatisfação com a perda de poder político, por parte de setores da magistratura, que até hoje não aceitaram as atuais disposições da Constituição Federal. •
JOAQUIM FALCÃO é Professor de Direito Constitucional da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito Rio). Foi membro do Conselho Nacional de Justiça.
DIEGO WERNECK ARGUELHES é Professor da FGV Direito Rio.
PABLO DE CAMARGO CERDEIRA é Professor da FGV Direito Rio.
Baltasar Garzón, a justiça e a corrupção
O julgamento, pelo Tribunal Supremo da Espanha, do juiz Baltasar Garzón, é um exemplo de nossos tempos, nos quais a subversão da lógica e da ética é a mais pavorosa forma de terrorismo. Como no século passado, estamos assistindo aos recados do fascismo, que se reergue, dos subterrâneos da História.
Mauro Santayana (WWW.cartamaior.com.br)
Se alguém, ao ler estas notas, lembrar-se de Montesquieu com suas Cartas Persas, e de Tomás Antonio Gonzaga, que nelas se inspirou, para redigir as Cartas Chilenas, estará fazendo a ilação correta. O assunto nos interessa de perto, assim como o texto do barão de La Brède interessava aos mineiros de Vila Rica daquele tempo. O julgamento, pelo Tribunal Supremo da Espanha, do juiz Baltasar Garzón, é um exemplo de nossos tempos, nos quais a subversão da lógica e da ética é a mais pavorosa forma de terrorismo. Como no século passado, estamos assistindo aos recados do fascismo, que se reergue, dos subterrâneos da História, para retomar a mesma sintaxe de sempre, que faz do crime, virtude; e, da dignidade, delito desprezível.
No passado, era comum a frase esperançosa de que ainda havia juízes em Berlim. Embora ela viesse de uma obra de ficção, é provável que tenha sido autêntica, porque se referia a Frederico II, cuja preocupação para com a equidade da justiça era conhecida, conforme recomendações a seus ministros. Segundo a obra de François Andrieux (Le meûnier de Sans-Souci) e de Michel Dieulafoy (Le Moulin de Sans-Souci), ambos contemporâneos do grande monarca, essa foi a resposta de um moleiro, vizinho ao castelo famoso, quando o soberano, diante de sua recusa de vender-lhe sua propriedade, ameaçou confiscá-la. O humilde moleiro – talvez confiado na própria conduta habitual de Frederico II, disse-lhe que isso não seria possível, porque ainda havia juízes em Berlim. Havia juízes em Berlim e ainda os há, aqui e ali, mas quando homens como Garzón são submetidos a julgamento – e pelas razões alegadas pelos seus contendores – é de se perguntar se, em alguns lugares, ainda os há. Em alguns lugares, como em Washington, em que a Suprema Corte de vez em quando espanta os cidadãos, com suas decisões. E em outros lugares.
Baltasar Garzón surpreendeu a sociedade espanhola, com sua obstinação na luta contra os que lesam os direitos humanos, o crime organizado, a corrupção no Estado, os delitos dos serviços secretos em suas relações com grupos terroristas. Sua grande vitória, ao obter a prisão, em Londres, do ex-ditador Pinochet e seu posterior julgamento, pela justiça chilena, fizeram dele uma personalidade mundial. É certo que essa obstinação o transformou em magistrado incômodo. Alguns o vêem com a síndrome do justiceiro enlouquecido, espécie de Torquemada de hoje. Mas o pretexto que arranjaram para conduzi-lo ao mais alto tribunal da Espanha é, no mínimo, pífio. Garzón, a pedido das autoridades policiais, autorizou a escuta telefônica de algumas pessoas, detidas e em liberdade, com o propósito de impedir a destruição de provas e a continuação de remessas ilegais de dinheiro obtido do erário, ao exterior, e sua “lavagem”, mediante os métodos já denunciados no Brasil.
Trata-se do famoso caso Gurtel, um entre muitos outros, na Espanha de hoje, em que a presença do franquismo e da Opus dei continua firme. Um grupo de empresários da comunicação e eventos, chefiados por Francisco Correa, intermediava contratos de toda natureza com os governos autônomos e municípios, chefiados pelos homens do Partido Popular, quando este estava à frente do governo nacional, e que agora retornou ao poder. O grupo corrompia as autoridades, com presentes, viagens e, sendo necessário, dinheiro vivo ou depositado na velha Suíça, em nome de políticos e seus laranjas. O dinheiro vinha das empresas candidatas aos bons negócios com o Estado, que “superfaturavam” os contratos.
Os advogados dos bandidos – nessa inversão moral de nossos tempos – conseguiram processar o juiz Garzon, sob a alegação de que as escutas haviam sido ilegais. Ocorre que um juiz, que substituiu Garzón na causa, manteve as escutas e o próprio tribunal de Madri, de segunda instância, confirmou a autorização das interceptações telefônicas. O fato é que o julgamento de Garzón é de natureza política, seja ele um magistrado incorruptível, como é visto pela opinião pública, ou um deslumbrado pela notoriedade, como dele falam os inimigos. E é a inversão da lógica: ele está sendo processado por ladrões.
Na segunda metade dos setecentos ainda havia juizes em Berlim,
de acordo com o modesto moleiro de Potsdam. Resta saber se ainda os há em Madri. E em outros lugares.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
Nem por esperteza, Alckmin demonstrou sensibilidade
Enviado por luisnassif, seg, 23/01/2012 - 15:28
Autor: Luis Nassif
É trágica a maneira como o PSDB joga pela janela oportunidades políticas.
A vulnerabilidade central do partido é a insensibilidade social. Mesmo no bem avaliado governo Aécio Neves, a crítica central era a falta de preocupação social. Em São Paulo, a arrogância administrativa, das decisões de gabinete, sem nenhuma preocupação em ouvir, planejar ações.
Aí o partido reune sua executiva para pensar o futuro. As únicas fontes de pensamento "novo" são financistas, exclusivamente preocupados em vender o peixe do mercado para o partido.
Curiosamente, foi Geraldo Alckmin o primeiro político de peso do PSDB a perceber a emergência de novos valores. Ainda na campanha, mostrou as vantagens de programas tipo "Minha Casa, Minha Vida" sobre o modelo autárquico do CDHU. Entendeu a importância da colaboração federativa. Percebeu a relevância de reduzir o estado de guerra com o professorado, praticar o relacionamento civilizado com prefeitura e lideranças de bairro. Até ensaiou algumas ações administrativas colaborativas, juntando várias secretarias de governo e a prefeitura.
De repente, surge a grande oportunidade: 6.000 pessoas morando em uma área de disputa jurídica. Não são aventureiros, não são invasores forçando a barra para conseguir imóveis para futura negociação. São famílias que se estabeleceram ao longo de anos, criando uma comunidade com velhos, crianças, mulheres, mães e pais de família, que levantaram suas casas em regime de mutirão, firmaram-se nos seus empregos, colocaram suas crianças nas escolas, criaram uma comunidade sem nenhuma ajuda do poder público.
Seria o momento máximo de inaugurar uma nova era. Um governador minimamente competente teria convocado a Secretaria de Assistência Social, o CDHU, a Secretaria da Justiça e da Defesa, a prefeitura de São José dos Campos, grandes empresas instaladas na região para um plano integrado destinado a encontrar uma solução para a comunidade de Pinheirinho.
Não se espere de Alckmin nenhuma sensibilidade social. Só um amorfo moral para ordenar as ações da PM contra familias indefesas, em nome da ordem - como se estivesse tratando com marginais do PCC. Mas considere-se que, para quem almeja vôos altos, o exercício da esperteza política é fundamental.
Tivesse tratado o caso com um mínimo de esperteza, Alckmin estaria inaugurando um conjunto habitacional. As televisões mostrariam imagens de crianças brincando nas praças do conjunto, velhos se aquecendo ao sol de São José, pais de família voltando para casa e encontrando os seus em segurança. Estudos acadêmicos, no futuro, analisariam uma comunidade viva, com relacionamentos construídos ao longo desses anos, com a solidariedade dos vizinhos de outros bairros, que se auto-organizou ao largo do poder público. E falariam do governador sábio que impediu que essa riqueza social - uma comunidade que se auto-organizou - se perdesse sob os tratores e os cassetetes da polícia.
No entanto, o que se viu foi um festival de fotos trágicas, de mães carregando filhos ao colo, chorando, tendo ao fundo as fogueiras provocadas por governantes imbecis. Fotos de batalhões da PM, com cassetetes, escudos, capacetes, enfrentando familias com crianças e velhos. E, como defensores das famílias, políticos do PSOL se legitimando junto a uma rapaziada que ainda acredita na responsabilidade social como fator de mobilização política.
Que as fotos das mães e filhos chorando as casas perdidas sejam uma maldição a acompanhar Alckmin pelo resto da vida política.
Brado Retumbante e o início da disputa pela sucessão de Dilma
Por Ruda Ricci
Não assisti nenhum capítulo da minissérie global O Brado Retumbante que estreou na terça-feira (17 de janeiro). Nos últimos dias, contudo, recebi muitas mensagens solicitando meu comentário sobre esta produção global. Nas mensagens que recebi, a grande maioria sugere que a Globo teria se inspirado na figura de Aécio Neves para montar o perfil do político anti-político que protagoniza o enredo. Li uma crítica sobre a minissérie (postado no Cenário MT, de onde retirei a foto abaixo) relembrando que a TV brasileira já apresentou várias críticas ao Governo e governantes de nosso país, recheadas de metáforas com a realidade – O Salvador da Pátria, Que Rei Sou Eu?, Vale Tudo, O Bem Amado, Roque Santeiro, O Rei do Gado. Mas nunca se escancarou tanto uma realidade disfarçada de ficção como na trama de O Brado Retumbante, com personagens tão parecidos com os da vida real, em aparência ou atitudes – como os políticos e jornalistas que cercam o presidente protagonista.
Portanto, não são apenas internautas que tiveram a impressão nítida da Globo ter ingressado na disputa eleitoral de 2014. Tenhamos claro que o texto (de Euclydes Marinho) contou com a colaboração de Nelson Motta, declarado opositor ao lulismo.
Domingos Montagner vive o deputado Paulo Ventura, que consegue se eleger Presidente da República num golpe de sorte. O perfil deste deputado-Presidente é citado por muitos internautas que enviaram mensagens como similar ao de Aécio Neves: ex-Presidente da Câmara Federal, mineiro, jovem, mulherengo, que vive no Rio de Janeiro.
Mas a minissérie não pegou. O Brado Retumbante ficou poucos pontos acima do segundo lugar no seu primeiro capítulo (A Hora do Rush 2, apresentado pelo SBT). E é neste ponto que vale a pena analisar esta possível tentativa de antecipar a eleição de 2014 ou criar uma referência.
Se a estratégia realmente existiu, revela uma importante alteração nos expedientes já utilizados pela Globo para tentar influenciar a disputa eleitoral presidencial. Não apenas mais sutil, embora mais direta, mas procurando expor uma alternativa política ao bloco governante. Muito superior à desconstrução da realidade como ocorreu no caso Proconsult (prejudicando Leonel Brizola) ou na edição do debate entre Lula e Collor.
Mesmo assim, a Globo revela estar um passo atrás da conjuntura política. Não foi surpresa a minissérie não emplacar no IBOPE (um exemplo foi o índice em queda no dia 19, em que a minissérie iniciou com 17,6 pontos às 23h13 e caiu a cada cinco minutos até atingir 14 pontos).
O problema é que a Globo desconsiderou o ideário da Classe C, que define IBOPE e disputa política há duas eleições nacionais.
A Classe C não é afeta ao discurso anti-corrupção. Seu foco é outro: o consumo e a estabilidade. Aliás, as diversas pesquisas realizadas para compreender como esta classe emergente pensa indicam que a maioria de seus componentes não acredita em político algum. É absolutamente pragmática em relação a este tema. Vota em quem lhe garante estabilidade e consumo ascendente.
A minissérie da Globo, se realmente teve a intenção de ingressar na disputa de 2014, desconsiderou, ainda, os motivos que levam à desidratação acelerada dos partidos e lideranças de oposição ao lulismo. A ausência de discurso para o país, a dificuldade em se espraiar pelo nordeste e a limitação gradual dos partidos efetivamente oposicionista (como a formação do PSD e as negociação em curso para fusão do DEM com PMDB), reduzem o campo da crítica moralista.
Vivemos um momento político muito distinto daquele em que Lula e Collor, dois outsiders, disputaram o governo federal. Naquele momento, a grande maioria dos eleitores desejava mudança radical e colocaram na berlinda lideranças institucionais importantes, como Brizola, Covas, Maluf, Ulysses Guimarães, Guilherme Afif Domingos, Roberto Freire e Aureliano Chaves.
Mas o momento não inspira qualquer sentimento de mudança que envolva os emergentes da classe média baixa (53% dos eleitores). O que ganhariam estes eleitores trocando o certo (a ascensão social dos últimos seis anos) pelo incerto (um novo bloco de governo)? Trata-se de uma equação pragmática e não adesão ao lulismo.
O que remete à situação que quebraria a segurança do voto na situação: inflação em alta, retração na oferta de crédito, diminuição no ritmo do aumento real do salário mínimo, queda no crescimento do PIB, enfim, causas para referar o consumismo em alta das classes emergentes.
Enfim, a Globo escolheu um roteiro que deu um passo à frente em relação ao seu expediente de comunicação política (seu editorial), mas ainda não conseguiu captar o Brasil real. Está um passo atrás da conjuntura. O que, talvez, explique a queda de audiência de tantos programas tradicionais.
Colaboração de Guilherme Souto:
A falibilidade da ciência, por Umberto Eco
Enviado por luisnassif, dom, 22/01/2012 - 09:00
A falibilidade da ciência
Umberto Eco
http://noticias.uol.com.br/blogs-e-colunas/coluna/umberto-eco/2010/06/20/a-falibilidade-da-ciencia.htm
Um artigo recente no jornal italiano “Corriere della Sera” discutia a natureza da investigação científica. O escritor Angelo Panebianco argumentou que a ciência é por definição antidogmática porque ela atua por tentativa e erro e está baseada no princípio da falibilidade, que sustenta que o conhecimento humano nunca é absoluto e está num fluxo constante. A ciência só se torna dogmática, diz Panebianco, no contexto de certas simplificações jornalísticas que transformam o que era meramente uma hipótese prudente em “verdades” estabelecidas.
Mas a ciência também se arrisca a ser dogmática quando não consegue questionar o paradigma aceito por uma determinada cultura ou época. Quer as ideias estejam baseadas nas de Darwin, de Einstein ou Copérnico, todos os cientistas seguem um paradigma para eliminar teorias que saem de sua órbita – como a crença de que o Sol gira em torno da Terra.
Como podemos conciliar a necessidade de paradigmas da comunidade científica com o fato de que a verdadeira inovação só acontece quando alguém consegue lançar dúvidas sobre as ideias dominantes do momento? Será que a ciência não se comporta de forma dogmática quando se entrincheira atrás dos muros de um determinado paradigma para defender seu poder e rotula como heréticos todos aqueles que desafiam sua autoridade?
A questão é importante. Será que os paradigmas sempre devem ser defendidos ou desafiados? Uma cultura (entendida como sistema de costumes e crenças herdados e compartilhados por um determinado grupo) não é meramente uma acumulação de dados; é também o resultado da filtragem desses dados. Qualquer cultura é capaz de descartar o que não considera útil ou necessário – a história da civilização é construída sobre informações que foram enterradas e esquecidas.
Em seu conto “Funes el Memorioso” de 1942, Jorge Luis Borges conta a história de um homem que se lembra de tudo: cada folha de uma árvore, cada rajada de vento, cada sabor, cada sentença, cada palavra. Mas por esse mesmo motivo Funes é um completo idiota, um homem imobilizado por sua incapacidade de selecionar e descartar. Nós dependemos de nosso subconsciente para esquecer. Se temos um problema, sempre podemos ir a um psicanalista para recuperar quais memórias nós descartamos por engano. Felizmente, todo o resto foi eliminado. Nossa alma é o produto da continuidade dessa memória seletiva. Se todos nós tivéssemos almas como a de Funes, seríamos desalmados.
Uma cultura opera de forma semelhante. Seus paradigmas, que são constituídos pelas coisas que nós preservamos e por nossos tabus em relação ao que descartamos, resultam de compartilhar essas enciclopédias pessoais. É sobre o pano de fundo dessa enciclopédia coletiva que travamos nossos debates. Para que uma discussão seja compreendida por todos, precisamos começar a partir dos paradigmas existentes, mesmo que apenas para mostrar que eles não são mais válidos. Sem a rejeição do paradigma ptolomaico então dominante, o argumento de Copérnico de que a Terra girava em torno do Sol teria sido incompreensível.
Hoje a internet é como Funes. Como uma totalidade de conteúdo, não filtrado nem organizado, ela oferece a qualquer um a capacidade de criar sua própria enciclopédia ou sistema de crenças. Num contexto como este, uma pessoa pode simultaneamente acreditar que a água é composta de hidrogênio e oxigênio e que o Sol gira em torno da Terra.
Teoricamente, é concebível que um dia possamos viver num mundo no qual existam 7 bilhões de paradigmas diferentes, e a sociedade seria então reduzida ao diálogo fraturado de 7 bilhões de pessoas todas falando uma língua diferente.
Felizmente, essa noção é meramente hipotética, mas o argumento em si só é possível precisamente porque a comunidade científica se baseia nas ideias comuns compartilhadas, sabendo que para derrubar um paradigma é preciso primeiro que exista um paradigma a ser derrubado. A defesa desses paradigmas pode levar ao dogmatismo, mas o desenvolvimento do novo conhecimento é baseado exatamente nessa contradição. Para evitar conclusões apressadas, eu concordo com o cientista citado no artigo de Panebianco: “Eu não sei. É um fenômeno complexo; terei que estudá-lo.”
Tradutor: Eloise De Vylder
2. VALE A PENA LER
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http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19414&boletim_id=1108&componente_id=17610
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PAULO DENISAR FRAGA
Para se compreender a relevância da relação entre a juventude e a cultura, não basta tomar esse tema de forma externa, ou dizer, simplesmente, que a juventude é uma das mais contundentes portadoras das variadas expressões da cultura... LEIA NA ÍNTEGRA: http://espacoacademico.wordpress.com/2012/01/21/juventude-e-cultura-identidade-reconhecimento-e-emancipacao/
3. INFORMAÇÕES
a) A diretoria da ANPUH-MG informa que encontram-se abertas as inscrições para propostas de Simpósios Temáticos e Mini-cursos. O período de inscrição vai de 03/01/2011 à 10/02/2012.
b) Chamada de artigos para o próximo número dos "Cadernos Cedem"
A Comissão Editorial dos Cadernos Cedem receberá matérias para o número 3, volume 2, previsto para publicação em julho de 2012. Nossa revista eletrônica publica artigos, resenhas, traduções, documentos comentados, experiências técnicas e metodológicas na área da documentação histórica e outros de natureza similar relacionados com os dois núcleos de acervo do Centro: Memória Social e Memória da Universidade.
O primeiro engloba estudos e pesquisas sobre a história política contemporânea, com ênfase nos movimentos, manifestações e organizações das esquerdas brasileiras; o segundo envolve a história da UNESP, mas também abre espaço para outras instituições universitárias brasileiras. Os artigos deverão ser originais, resultantes de pesquisas científicas e significativas para o perfil do periódico. Poderão ser incluídos outros tipos de contribuições como artigos de revisão, comunicações, resenhas e estudos de caso. As referidas publicações não serão consideradas artigos originais.
As propostas deverão ser enviadas até 31 de março do corrente ano de acordo com as Instruções e Normas para Publicação da revista. Os interessados deverão consultar o site: www.cedem.unesp.br no menu ao lado o item Publicações –> Normas para Publicações.
O material para a publicação, ou a solicitação de mais informações, deve ser enviado via e-mail para os seguintes endereços: smoraes@cedem.unesp.br e acelso@cedem.unesp.br , com o arquivo anexado à mensagem de encaminhamento que conterá a identificação e endereços comum e eletrônico do remetente.
O material também poderá ser enviado em arquivo de dados gravado em CD-ROM e postado no correio para o endereço convencional do CEDEM, aos cuidados da Comissão Editorial dos Cadernos Cedem: Praça da Sé 108, 1º andar – CEP 01001-900, São Paulo – SP
c) Comunicamos o lançamento de um importante sítio eletrônico (Documentos Revelados), organizado por Aluizio Palmar. É um espaço com documentos dos arquivos da ditadura, recortes de jornais com notícias da época, imprensa clandestina da Resistência ...
http://www.documentosrevelados.com.br
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